Dona de Casa 2.0: atualizações dos papéis de gênero em vlogs

Desde que surgiram celebridades na internet (ou webcelebridades) até a concepção do que seriam “influenciadores digitais” na contemporaneidade, o fato é que possuímos uma grande presença de pessoas comuns “midiáticas” com grande visibilidade online. É interessante refletirmos sobre como essas “influências” se entrelaçam ao nosso cotidiano, principalmente em relação às questões de gênero, família e trabalho doméstico.

Reprodução Instagram

Percebemos que a internet abre o “espaço doméstico”, que muitas vezes era escondido, expondo-o ao escrutínio do público, que acompanha a vida das pessoas “influenciadoras” nas mais diversas plataformas. Essa possibilidade de seguir outras realidades pode trazer angústias e comparação de realidades que não são compatíveis.

É interessante notar que, ao contrário do que poderia ser pensado enquanto quebras de paradigmas e estereótipos, pois acompanhamos a vida de pessoas jovens em meios tecnológicos, vlogs de influenciadoras como Ana Lídia Lopes e Vanessa Lino podem reforçar estereótipos, tanto relacionados às mulheres, como ao cuidado do lar e às concepções de feminilidade socialmente estabelecidas.

As influenciadoras possuem públicos que podem se interseccionar em relação às temáticas abordadas: a primeira fala da “volta aos cachos” e de uma “autoestima” feminina voltada aos preceitos católicos tradicionalistas; já a segunda ensina suas seguidoras a como terem uma vida mais regrada e com mais “disciplina”. O conteúdo temático que as une é principalmente o de “vlogs de vida real”, onde elas mostram suas rotinas de donas de casa “2.0”, com muitos aparelhos eletrônicos, como robôs aspiradores, cooktops e lava-louças, mas que também depende de suas “diaristas”, mal mencionadas nos vídeos que parecem mostrar vidas e casamentos “perfeitos”.

Em vídeos que supostamente mostrariam a “vida real” dessas influenciadoras, os papéis de gênero continuam a ser seguidos através dos retratos da “vida cotidiana” não tão comum assim, realizados com apartamentos limpos e muito organizados, bem como também com donas de casa maquiadas e cujos casamentos (heterossexuais) podem ser considerados “bem sucedidos”.

No entanto, é interessante perceber como essa “rotina” de vida feliz tão prezada e mostrada nos vídeos precisa estar dentro da lógica do consumo (comprando aparelhos caros como lava-louças, máquinas de lavar roupa que também secam, robôs aspiradores de pó, entre outros) e do trabalho de outras mulheres (que, no Brasil, na maioria das vezes são mulheres negras), enquanto as influenciadoras trabalham de casa filmando e editando o cotidiano “perfeito” que é vendido através das publicidades.

Entretanto, como a mulher que está em casa, assistindo ao vlog, pode conseguir essas “chaves de tempo” para estar maquiada, se sentindo produtiva, se ela não puder contratar alguém para limpar a casa ou comprar uma máquina de lavar?

Essas mulheres “influenciadoras”, mesmo não dizendo claramente, querem influenciar para além das vendas de publicidade, mas também para “estilos de vida” baseados em papéis de gênero em parte cristalizados, em parte atualizados conforme tendências do capitalismo.


Texto de:

Nealla Valentim MachadoProfessora da Universidade Estadual do Estado de Mato Grosso (Unemat), Doutoranda pelo ECCO (UFMT) e jornalista.

Tamires Ferreira CôelhoJornalista, Professora Adjunta do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMT.

Publicado por Pauta Gênero

Observatório de Comunicação e Desigualdade de Gênero da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá.

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