Cobertura jornalística de esporte: o que as Olimpíadas nos mostram sobre o reforço de estereótipos

As Olimpíadas de Tóquio, realizadas este ano, foram amplamente divulgadas como recordistas na questão de igualdade de gênero. De fato, vimos muitas atletas competirem e conquistarem medalhas, e algumas até surpreendentes, como o time feminino de voleibol, que nem sequer era favorito na disputa e voltou para o Brasil com a prata. Apesar da representatividade e dos bons resultados, ainda vemos estereótipos sendo reproduzidos, para além das competições, pelos próprios veículos de comunicação durante a cobertura de campeonatos esportivos.

Fonte: Reprodução CNN

Isso fica muito evidente em transmissões de jogos de futebol, por exemplo, onde comentaristas e narradores confundem os nomes das jogadoras (o que raramente ocorre em disputas masculinas), demonstrando desinteresse pela partida, ou chamando-as de “meninas”, enquanto para os homens os adjetivos aplicados são “atletas”, “esportistas”, “craques” etc. Também há, por vezes, a tendência de comentaristas fazerem referência a características físicas das atletas, enaltecendo a beleza, destacando “rabos de cavalo ou lindos sorrisos”, aspectos que não influenciam no desempenho esportivo e não deveriam ser destaque. Reforça-se a ideia de que as mulheres devem buscar padrões estéticos estabelecidos pela sociedade, independente da carreira que desejam seguir.

Ainda no futebol, há uma tendência de cobertura em que se apagam as enormes diferenças de investimento. O Brasil conseguiu medalha de ouro no futebol masculino em 2021, mas a seleção feminina não conseguiu disputar possibilidades de medalha. Isso, diferentemente do que é sugerido pelas coberturas, não depende apenas do desempenho ou vontade das equipes, ou da qualidade dos times, mas também das condições de investimento e estrutura.

Além da preparação física, as atletas precisam gastar energia expondo as desigualdades absurdas nas redes sociais, de forma que virem notícia: Formiga destaca que um time feminino em 2021 gasta menos que o investimento em um único jogador homem na década de 80. Marta, maior artilheira das Copas (entre atletas de todos os gêneros), recebe menos de 1% dos ganhos de Neymar por temporada. Como cobrar os mesmos resultados diante de um cenário tão injusto? Ao silenciar sobre esse debate, o jornalismo naturaliza o futebol como “carreira masculina”. Além disso, dezenas de matérias destacando “histórias de superação” focam na “proeza” das mulheres em vez de responsabilizar entidades e instituições que deveriam oferecer condições melhores de preparo.

Muito se falou sobre a coragem da ginasta Simone Biles em priorizar sua saúde mental diante da pressão das Olimpíadas, no entanto, o jornalismo individualiza a questão em vez de falar de uma estrutura que afeta todas as atletas. Não se questiona qual o efeito da desigualdade salarial e do racismo nos comitês e equipes dos mais variados esportes. Biles, por exemplo, com apenas 24 anos, tem 31 medalhas (23 de ouro), recorde que não é suficiente para estar no rol de atletas mais bem pagos. Nenhum recorde seria suficiente para que uma mulher seja melhor paga.

A mídia muitas vezes também atrela o sucesso de uma mulher ao seu companheiro, como ocorreu durante uma entrevista da tetracampeã mundial de skate Karen Jonz. O repórter do canal UOL, Ivan Moré, disse que ela era conhecida por ser casada com Lucas, vocalista da banda Fresno. Ele foi interrompido pela atleta, que reagiu dizendo: “Não, eu não sou conhecida porque sou casada com o Lucas, sou conhecida porque sou tetracampeã mundial e primeira mulher a vencer o X Games”.

Em Tóquio, enquanto boa parte da cobertura brasileira não destacou os comportamentos antidesportivos do tenista sérvio Novak Djokovic, limitando-se a descrever a pontuação nas partidas, os mesmos veículos deram (e ainda dão) outro tratamento quando as polêmicas envolvem a tenista Serena Williams. O jornalismo esportivo, assim como os comitês, tende a punir e evidenciar erros de mulheres (sobretudo negras, como Serena), enquanto suaviza as posturas incorretas de atletas homens brancos.

A igualdade de gênero no esporte não depende apenas da representatividade. A cobertura jornalística das competições também precisa acompanhar esse movimento e repensar atitudes, no sentido de parar de reproduzir estereótipos, respeitando pressupostos básicos da profissão. Tratar a atuação das mulheres no esporte com profissionalismo, contextualizando suas condições de preparação e remuneração, é o mínimo que se espera.


Texto de:

Nara Assis, formada em Comunicação Social (Habilitação em Jornalismo) pelo Instituto Várzea-grandense de Ensino (IVE) desde 2009; servidora pública da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso desde 2014.

Tamires Coêlho, jornalista, professora do Departamento de Comunicação Social e do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Publicado por Pauta Gênero

Observatório de Comunicação e Desigualdade de Gênero da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá.

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