O ódio e descaso de um país: a falta de proteção e segurança à população LGBTIA+ no Brasil

No ano de 2021 foi reportada, no Brasil, uma série de crimes bárbaros voltados contra a população LGBTQIA+. Um dos casos que esteve em destaque foi o de Roberta Nascimento da Silva, travesti em situação de rua que teve 40% do corpo queimado após um adolescente atear fogo enquanto ela dormia, em pleno mês do Orgulho LGBTQIA+. Roberta morreu duas semanas depois do atentado, com apenas 33 anos de idade, pouco abaixo dos 35 anos, que é a expectativa de vida das mulheres transexuais no Brasil, número contrastante frente aos 74,9 da população em geral.

Fonte: Tomaz Silva/EBC

Sobre Roberta recaiam, além dos preconceitos de gênero, por ser uma mulher trans, também os de raça, por ser negra, e de classe, pois vivia em situação de rua. Neste primeiro semestre de 2021, por exemplo, a maioria das mortes violentas registradas foi de mulheres trans/travestis negras.

Outro caso revoltante registrado é o da adolescente Keron Ravach, de apenas 13 anos, morta a pauladas no Ceará, em janeiro deste ano, também vítima de um assassino adolescente. Ela se tornou a vítima mais jovem a ser registrada na história do monitoramento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), uma trágica marca.

Não são somente as mulheres trans que correm risco de morte em nosso país. Em maio deste ano, um homem foi preso acusado de ser um um serial killer de homens gays no Paraná. Segundo as investigações, o suspeito usava aplicativos de encontros para ir até a casa das vítimas. Durante o encontro, ele estrangulava os homens e deixava o local levando pertences deles. De acordo com a polícia, os crimes teriam sido motivados por ódio e o suspeito pretenderia fazer uma vítima por semana.

Esses foram somente alguns dos casos que obtiveram cobertura midiática. Mas sabemos que a violência direcionada às pessoas LGBTQIA+ não causa choque e revolta na população, pelo menos não tanto quanto deveria. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), 2020 foi o primeiro ano em que a letra T da sigla, as travestis e pessoas transexuais, superaram gays em número de mortes no Brasil. O GGB deixa claro, porém, que esses números podem ser ainda maiores, visto a grande subnotificação no país, pois os números são baseados em reportagens e relatos de organizações LGBTQIAP+, já que os registros oficiais geralmente nem evidenciam se tratar de transfobia.

O Brasil foi construído em cima da violência e continuamos a reproduzir esses padrões até os dias atuais. Somos o país líder no ranking mundial de homicídios de pessoas transexuais e travestis, com uma morte a cada dois dias em 2020. Segundo um dossiê da Antra e do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE) divulgado no início deste ano, 77% dos assassinatos tiveram requintes de crueldade, contra uma população vulnerável que vivencia o estigma e se vê marginalizada diante da sociedade, suscetível a sofrer violência em diversos níveis, a começar geralmente dentro da própria família, e que carece de ajuda e proteção do Estado, que não chega efetivamente no Brasil atual dominado pelo conservadorismo.

Essa rejeição por parte da família joga grande parte dessas pessoas para a situação de rua e para a prostituição, cenários que contribuem com a diminuição de suas expectativas de vida. Identifica-se que 72% dos assassinatos dessa população foram direcionados contra profissionais do sexo e estima-se que 90% das travestis e mulheres trans têm a prostituição como fonte de renda.

É preciso agir para além do “mês do orgulho” e de uma visibilidade direcionada para lucrar em cima de causas que buscam equidade de direitos e, acima de tudo, respeito por existências que fogem à heteronormatividade. Para isso, é importante que políticas públicas específicas sejam criadas e direcionadas para a proteção de todas as pessoas LGBTQIA+. São seres humanos que, em pleno 2021, estão sendo cruelmente assassinados em território nacional, para além das violências simbólicas sofridas diariamente.


Texto de:

Giordano Tomaselli, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

Nealla Machado, doutoranda em Estudos de Cultura (ECCO) pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), jornalista e professora.

Publicado por Pauta Gênero

Observatório de Comunicação e Desigualdade de Gênero da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá.

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